sábado, 31 de janeiro de 2015

PATRÍCIA - 23/11/2008


 
 
 
 

 
 
 
Daquela que meu riso exigia,

Que a luz da ternura refletia

Não vou me esquecer!

Por mais que o tempo tente levar

O esplendor que eu via em seu olhar,

Irei sempre o ter!

 

Em minha mocidade plangente

Onde na aurora da estrada ardente

Tão cedo morri,

Perdido entre as vagas da existência...

Servo do desgosto e da indolência,

Eu a conheci.

 

Sua fronte era uma paragem,

Na qual se desenhava a imagem

Do extremo dulçor;

Seu perfume... cheio de mistério

Não existiu em nenhum império,

Em nenhuma flor!

 

Negros, negros eram seus cabelos

Que a lua mais brilhava só em vê-los

Nos ares fluindo.

Aquela que talvez eu amava

Que a todos, ao sorrir, encantava

Vivia sorrindo!

 

Só ela que abarcava a pureza

Segava de minh`alma a tristeza,

Delicadamente!

E, no horto de meu triste existir,

Da esperança e crença no porvir,

Plantava a semente!

 

Ela era tão divina e singela,

Que ninguém será igual a ela

Em meu sentimento!

Bom era viver ao seu encanto,

Ter a sua voz qual doce canto,

Em seu beijo – alento!

 

Contudo, eu não tive esta ventura

De em seus lábios – filhos da candura –

Sentir a paixão,

De em seus ombros deitar o semblante

E não crer-me louco e delirante

Ante uma ilusão!

 

Na acre solidão em que ensebei

Meus louros de poeta e chorei

Já desfalecido,

Ninguém visitou-me em caridade,

Trazendo a flama da liberdade

Ao bardo esquecido!

 

Ninguém senão a gentil mocinha,

Que da bondade era a rainha,

A mais pressurosa!

E que minh`alma amava em segredo

Em sua sina atroz de degredo,

Sempre sequiosa!

 

Daquela que meu riso exigia,

Que a luz da ternura refletia

Hei de sempre ser!

Por mais que passe o tempo, estes anos

Me sejam tão cruéis, soberanos...

Não vou esquecer.

 

 
ALEXANDRE CAMPANHOLA
 
 

sábado, 24 de janeiro de 2015

DECEPÇÕES AMOROSAS: Flores murchas


 
 
Na mesa do bar, Camilo assistia atentamente a cantora no palco falar de amores, romances, desejos, em sua canção. O gelo derretia lentamente no copo de uísque, no compasso dos beijos ardentes que o casal da mesa ao lado encenava. Parecia que naquela atmosfera romântica os casais se multiplicavam, todo mundo se envolvia com a doce voz vinda do palco, era proibido estar só. Com um buquê de flores sobre a mesa, já murchas, Camilo era o único solitário naquela noite, que sonhara ser perfeita, como todos sonham quando desejam uma reconciliação. Mas, a mulher que ele esperava nada lhe prometera, apesar de seu perseverante esforço, e apenas um aviso lhe deixou. A noite assim foi se aprofundando, o bar ficou deserto, qual o coração de Camilo, onde existia um eco apenas: “Se eu não aparecer, esqueça-me!”.



SÉRIE: DECEPÇÕES AMOROSAS
MINICONTOS DE ALEXANDRE CAMPANHOLA


domingo, 18 de janeiro de 2015

CANÇÃO DO ÉDEN - 25/09/2002




 
 
 
 
Naquele dia de sol adusto,

No botequim, leis companheiros,

Ridentes quais boêmios augustos,

Entoavam seus cantos domingueiros;

Afinadas, as armas cadentes,

Desde o pandeiro ao fulvo violão,

Preludiavam as notas quentes

Da harmonia da triste canção.

 

Cingindo aquela mesa rotunda,

O encargo animava os cantadores

De fazer da tarde moribunda,

Uma flor a recender amores.

E, perante os jovens uma sombra

Espreitava a airosa cantoria,

Como a leoa atenta na alfombra

Observa o vagar de sua cria.

 

Um homem dolente e acabrunhado,

Cismando – não se sabia – na hora.

Bebia aflito um cognac gelado...

Fumava o cigarro de quem chora.

No fim da música predileta,

Aplaudia querendo partir,

E, sorrido à plêiade irrequieta,

Pedia p`ra canção repetir.

 

A plêiade, exibindo talento,

Continuou a cantar fremente

Os versos que ao homem – sofrimento –

Trazia a cada acorde estridente.

 

Contava pungente o som mordaz

O traiçoeiro destino de Adão,

Que por causa de uma serpe sagaz,

Do paraíso teve a expulsão.

Que por sua carência de siso,

Condenou a todos ao pecado,

E do mundo injusto o rude friso,

Impeliu-nos quando foi prostrado.

 

Tal qual um Baudelaire que profana,

O choroso homem se perguntava:

- Por que a desventura é soberana?

E, repetindo a questão arfava.

Até que em veneta ele falou,

Porque lhe afligia o torvo canto.

Sentido, sua vida contou,

Afogado em profundo quebranto.

 

Disse-lhes que seu amor eterno,

A rainha de toda a beleza,

Por um vão motivo e sempiterno

Deixou-lhe, na dor e na tristeza.

Por isso, lembrava-lhe a cantiga

O abismo que a ilusão nos forjou...

O homem deixou a plêiade amiga

E o botequim, cansado da vida.

 

No dia seguinte, se matou!

 



ALEXANDRE CAMPANHOLA
 
 
 

sábado, 10 de janeiro de 2015

DECEPÇÕES AMOROSAS: Camisa Rosa


 
 
 
Era um ou outro que conhecia seu nome de registro, Clodoaldo, pois desde sempre atendia às pessoas com a alcunha de “Camisa Rosa”, uma vez que raramente usava uma camisa de outra cor, senão daquela que caracterizava seu jeitinho plácido e manso, o qual combinava com seu sorriso de criança feliz. Camisa Rosa era um amor de pessoa, amigável, um esposo exemplar. Era incapaz de negar algo a qualquer um, sobretudo à esposa Mariazinha, uma baixinha meio marrenta que, obviamente, desfrutava da extrema bondade do esposo para reinar no lar. Até aquela impressionante tarde de uma quinta-feira outonal, a vida do casal baseou-se nesta relação previsível, em que Mariazinha mandava e desmandava em Camisa Rosa, controlava suas atitudes, impunha as exigências, explorava seu bom coração, enganava-o facilmente com mentiras, tinha a última palavra. Mas, naquela tarde, Mariazinha viu a decepção bater à porta e aquela imagem favorável de um esposo submisso desmoronar. Foi quando se negou veementemente a comparecer ao aniversário de oitenta anos da mãe de Camisa Rosa, a sogra, a qual o ensinou a ser daquele jeito. Com os excessivos “Nãos” de Mariazinha, um nervosismo incomum se apossou dele, que o fez lançar sua palma na fofa face da teimosinha. Ela apenas arregalou os olhos e o obedeceu. Ambos foram à festa, naquela tarde, em que Camisa Rosa tinha vestido uma camisa azul, que comprara para a ocasião.
 
 
 
 
SÉRIE: DECEPÇÕES AMOROSAS
MINICONTO DE ALEXANDRE CAMPANHOLA
 
 

domingo, 4 de janeiro de 2015

À ATRIZ KERI RUSSELL - 23/05/2012


 
 
 
 
 
 
Aos teus pés hei de viver agora

E nada poderá me exilar

Do santuário de teu abraço.

Desde que conheci tua aurora,

De meu pensamento fiz teu lar,

Teu íntimo espaço.






 

À tua sombra de majestade

Não me importo com a escravidão,

Que me impõe teu soberano amor,

Porque teu nome é Felicidade

E vou gravá-lo em meu coração,

Qual um escultor.

 
 
 
 
 
 

Tua aparência branda me encanta,

Tens da candura os tons luminosos,

Os reflexos de um campo florido;

Tens o domínio de uma giganta

Sobre meus sonhos esperançosos

Que tenho nutrido.

 


 
 


Tens as palavras que me conforta,

A verdade no sereno olhar,

Da inocência o lago transparente.

Uma doçura que me transporta

Ao mundo afável que hei de habitar

Em ti existente.








Curvado a teus celestiais gestos,

Sei que também sorverei a paz

Ao merecer-te os beijos sutis.

Sempre escondida em sonhos modestos,

Tua imagem risonha me faz,

Me faz tão feliz.




 
 
 
Sempre discreta, jamais atroz,

Agora posso esquecer os gritos

De meus tempestuosos instantes.

Ah! Se eu soubesse que tua voz

Tem carinhos vastos e infinitos,

Eu te amaria antes.





ALEXANDRE CAMPANHOLA

sábado, 3 de janeiro de 2015

DECEPÇÕES AMOROSAS: O inverso do inverso


 
 
 
Quem sabe não era a maior loucura de sua vida. Elizabeth era incapaz de relutar contra a atração que sentia por Christophe. Desde que o avistou pela primeira vez em uma despedida de solteira, quando foi levada quase à força, sob impressionante insistência, ela não conseguia mais evitar sua presença naquela boate, para admirar seu Gogo Boy predileto, aquele que fazia seu sangue arder nas veias. Estudante de Direito, filha de desembargador, educada em colégio suíço, agora ela era simplesmente uma moça que queria ser agarrada pelos braços musculosos do rapaz, molhar-se com seu suor, sentir os lábios dele sugarem os seus e viver em meio àquela vida devassa de sensualidade. Ela o amava, após noites e noites de divertidas conversas no bar, quando a dia ameaçava despontar. Namoravam até o amanhecer. Tudo parecia bem, até ela se decepcionar ao visitar o apartamento dele, e descobrir que era um universitário careta, futuro Biólogo, que adorava ler as obras de Nietzsche.

 
 
 
 
MINICONTOS DE ALEXANDRE CAMPANHOLA