domingo, 18 de janeiro de 2015

CANÇÃO DO ÉDEN - 25/09/2002




 
 
 
 
Naquele dia de sol adusto,

No botequim, leis companheiros,

Ridentes quais boêmios augustos,

Entoavam seus cantos domingueiros;

Afinadas, as armas cadentes,

Desde o pandeiro ao fulvo violão,

Preludiavam as notas quentes

Da harmonia da triste canção.

 

Cingindo aquela mesa rotunda,

O encargo animava os cantadores

De fazer da tarde moribunda,

Uma flor a recender amores.

E, perante os jovens uma sombra

Espreitava a airosa cantoria,

Como a leoa atenta na alfombra

Observa o vagar de sua cria.

 

Um homem dolente e acabrunhado,

Cismando – não se sabia – na hora.

Bebia aflito um cognac gelado...

Fumava o cigarro de quem chora.

No fim da música predileta,

Aplaudia querendo partir,

E, sorrido à plêiade irrequieta,

Pedia p`ra canção repetir.

 

A plêiade, exibindo talento,

Continuou a cantar fremente

Os versos que ao homem – sofrimento –

Trazia a cada acorde estridente.

 

Contava pungente o som mordaz

O traiçoeiro destino de Adão,

Que por causa de uma serpe sagaz,

Do paraíso teve a expulsão.

Que por sua carência de siso,

Condenou a todos ao pecado,

E do mundo injusto o rude friso,

Impeliu-nos quando foi prostrado.

 

Tal qual um Baudelaire que profana,

O choroso homem se perguntava:

- Por que a desventura é soberana?

E, repetindo a questão arfava.

Até que em veneta ele falou,

Porque lhe afligia o torvo canto.

Sentido, sua vida contou,

Afogado em profundo quebranto.

 

Disse-lhes que seu amor eterno,

A rainha de toda a beleza,

Por um vão motivo e sempiterno

Deixou-lhe, na dor e na tristeza.

Por isso, lembrava-lhe a cantiga

O abismo que a ilusão nos forjou...

O homem deixou a plêiade amiga

E o botequim, cansado da vida.

 

No dia seguinte, se matou!

 



ALEXANDRE CAMPANHOLA
 
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário